Notas
Por que feijão está sumindo do prato dos brasileiros
- Thais Carrança
- Role,Da BBC News Brasil em São Paulo
- Twitter,@tcarran
- 11 março 2023Atualizado 31 janeiro 2024
Os brasileiros estão perdendo o hábito de comer feijão diariamente, em meio a mudanças culturais, avanço dos alimentos ultraprocessados e aumento de preços do produto.
Seguindo a tendência dos últimos anos, o feijão deixará de ser consumido de forma regular – de 5 a 7 dias na semana – em 2025, conforme estudo do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
A partir daquele ano, a maior parte dos brasileiros passará a comer o alimento símbolo nacional com frequência considerada irregular (1 a 4 dias), de acordo com a pesquisa.
A perda de espaço do feijão no prato nacional, e sua substituição por alternativas menos saudáveis, tem consequências para a segurança alimentar e para a saúde da população.
Em termos nutricionais, o feijão é rico em proteínas e minerais, incluindo o ferro, além das vitaminas C e do complexo B (à exceção da B12, de origem animal) e fibras solúveis e insolúveis, importantes para o bom funcionamento da digestão.
«Além de ter um excelente perfil nutritivo e ser importante para manutenção da saúde da população, o feijão é um marcador de qualidade da dieta», afirma a pesquisadora.
«Isso porque o indivíduo, quando consome feijão, acaba complementando o prato com outros alimentos saudáveis, como arroz, vegetais, salada e uma proteína animal. Então, em geral, o feijão é um dos componentes de uma refeição nutricionalmente equilibrada.»
Além da tradição histórica e do valor nutricional, a pesquisadora destaca a importância social do feijão na dieta brasileira.
«O feijão é um elemento de segurança alimentar e nutricional, porque a alimentação saudável é um direito da população, previsto na Constituição», observa a nutricionista.
O cumprimento desse direito implica no acesso a alimentos saudáveis, de forma permanente, regular, em quantidade suficiente, sem que isso comprometa outras necessidades essenciais da vida, como moradia, vestuário, entre outras.
«Por ser um alimento saudável e acessível, o feijão é um elemento importante em termos sociais para garantia da segurança alimentar e nutricional», conclui Granado.
Como foi feito o estudo da UFMG
Para analisar a evolução do consumo de feijão nos últimos anos no Brasil, a pesquisadora usou dados do Vigitel (Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), pesquisa feita anualmente por telefone pelo Ministério da Saúde.
«A POF [Pesquisa de Orçamentos Familiares] do IBGE de 2017 já mostrava uma redução de 7% na participação dos alimentos in natura no consumo dos brasileiros. Ao mesmo tempo, mostrava um aumento de 46% nos ultraprocessados, em relação a 2002″, observa Granado.
«Foi isso que me instigou a investigar a tendência no consumo do feijão», explica.
Analisando dados do Vigitel de mais de 500 mil adultos entre 2007 e 2017, a pesquisadora observou uma tendência de queda do consumo da leguminosa entre 2012 e 2017. A redução aconteceu entre homens e mulheres, de todas as faixas etárias.
A partir da observação do passado, ela então utilizou métodos estatísticos para projetar o que deve acontecer à frente, até 2030.
«Para nossa surpresa, vimos essa inversão em 2025, quando o consumo regular, de 5 a 7 dias por semana, vai perder prevalência para o consumo não regular, de 1 a 4 dias», diz Granado.
«Entre as mulheres, a estimativa é de que essa mudança já tenha acontecido no ano passado [em 2022], e para os homens, vai acontecer em 2029», detalha a especialista.
O que explica a queda de consumo nos últimos anos
Mudanças culturais e o avanço dos ultraprocessados – alimentos calóricos e de baixo valor nutricional – estão no centro da redução do consumo de feijão, segundo a pesquisadora.
«Na década de 1980, há a entrada das grandes transnacionais de alimentos no Brasil e o avanço da participação das mulheres no mercado de trabalho, o que causa uma modificação no perfil de consumo da população, com os ultraprocessados sendo percebidos como uma solução prática para o dia a dia», observa a nutricionista.
«Com o passar do tempo, há também uma perda de práticas culinárias, da habilidade em si de preparar os alimentos, com a tradição de receitas que passavam entre gerações que começa a se perder.»
Um terceiro fator que pesa na redução de consumo do feijão é o aumento de preços do produto, observa a especialista.
Em 11 anos, entre janeiro de 2012 e janeiro de 2023, o feijão carioca acumula alta de preços de 122% e o feijão preto, de 186%, comparado a uma inflação geral de 89% no período, segundo o IPC (Índice de Preços ao Consumidor) da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Ou seja, em pouco mais de uma década, o feijão carioca dobrou de preço e o feijão preto, quase triplicou.
Um dos fatores que explica esse encarecimento é a perda de espaço da produção agrícola de feijão para commodities como a soja e o milho, explica Granado.
Segundo dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), a área plantada de feijão no Brasil na safra 2022-2023 deverá ser de apenas 859 mil hectares, a menor da série histórica com início em 1976. O número representa uma redução de 65% em relação ao momento de auge, na safra 1981/1982.
«O produtor acaba abandonando a produção de feijão e outros alimentos que possuem valor agregado menor em comparação a commodities como soja e milho, que têm safras muito mais lucrativas, com demanda internacional», observa Granado.
Por fim, com relação à queda maior do consumo entre as mulheres, a especialista avalia que isso pode ser fruto da dupla jornada, que pode estar fazendo com que elas optem com mais frequência pela conveniência dos ultraprocessados.
Quais as consequências para a saúde de comer menos feijão
O estudo da UFMG investigou ainda a relação entre o consumo ou não de feijão e a obesidade.
Segundo o levantamento, os indivíduos que consomem feijão de forma regular, de 5 a 7 vezes por semana, têm chance 14% menor de desenvolver sobrepeso e 15% menor de serem obesos.
Já o não consumo é um fator de risco, com 10% de chance maior de excesso de peso e 20% de possibilidade maior de obesidade.
«Concluímos com isso a importância das nossas escolhas alimentares sobre o nosso perfil de saúde», diz Granado.
«O indivíduo que não consome feijão, ou consome uma ou duas vezes por semana – o que não é suficiente – tem um fator de risco porque, muito provavelmente, nos dias em que ele tira o feijão de sua alimentação durante a semana, ele está fazendo opções não saudáveis. São essas opções que contribuem para o maior ganho de peso.»
O que o poder público pode fazer para mudar esse quadro
Para Granado, para mudar esse quadro é preciso uma revalorização do feijão como um elemento da nossa cultura, um alimento símbolo e parte da identidade nacional do país.
Para isso, ela sugere que seria desejável uma maior tributação dos alimentos ultraprocessados e pouco saudáveis. Países como França e México já adotam taxação mais alta para bebidas açucaradas, por exemplo, com bons resultados, cita a especialista.
Outro passo importante é a rotulagem nutricional. Granado avalia que o Brasil avançou nesse sentido com o novo padrão de rotulagem, em vigor desde outubro de 2022, que indica a presença de alto teor de sódio, gordura e açúcar nos alimentos.
«Isso contribui para o consumidor ter uma consciência melhor dos alimentos que ele está adquirindo e para que possa fazer escolhas melhores», afirma.
Por fim, a nutricionista defende que, além da taxação dos alimentos não saudáveis, seria desejável subsidiar os saudáveis, por exemplo, por meio do incentivo à agricultura familiar, para que o produto chegue a um preço mais baixo às prateleiras, estimulando o consumo.
Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/articles/c90935j2k8go
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