Notas
Como tecnologia por trás do maior telescópio do mundo está revolucionando a ciência
- Carrie King
- Role,Repórter de tecnologia da BBC News
- 28 agosto 2024
No alto de uma montanha, no árido Deserto do Atacama, no Chile, o Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla em inglês) está construindo o maior telescópio óptico do mundo.
Eles não perderam muito tempo escolhendo um nome — será chamado Telescópio Extremamente Grande (ELT, na sigla em inglês).
Por outro lado, uma enorme energia foi investida no design e na construção do «maior olho do mundo no céu», que deve começar a coletar imagens em 2028 — e provavelmente vai ampliar nossa compreensão do Universo.
Nada disso seria possível sem alguns dos espelhos mais avançados já fabricados.
Elise Vernet, especialista em óptica adaptativa no ESO, está supervisionando o desenvolvimento dos cinco espelhos gigantes que vão captar e canalizar luz para o equipamento de medição do telescópio.
Cada um dos espelhos personalizados do ELT é uma façanha de design óptico.
Vernet descreve o espelho convexo M2, de 4,25 metros, como «uma obra de arte».
Mas talvez os espelhos M1 e M4 expressem melhor o nível de complexidade e precisão necessários.
O espelho primário, o M1, é o maior espelho já fabricado para um telescópio óptico.
«Ele tem 39 metros de diâmetro, e é composto por [798] segmentos de espelho hexagonais, alinhados para que se comporte como um espelho monolítico perfeito», explica Vernet.
O M1 vai captar 100 milhões de vezes mais luz do que o olho humano — e deve ser capaz de manter sua posição e forma com um nível de precisão 10 mil vezes mais refinado que um fio de cabelo humano.
Espelhos especiais
O M4 é o maior espelho deformável já fabricado — e será capaz de mudar de forma 1.000 vezes por segundo para corrigir a turbulência atmosférica e as vibrações do próprio telescópio que poderiam distorcer as imagens.
Sua superfície flexível é composta por seis pétalas de um material vitrocerâmico com menos de 2 mm de espessura.
As pétalas foram fabricadas pela Schott em Mainz, na Alemanha, e enviadas para a empresa de engenharia Safran Reosc, nos arredores de Paris, onde foram polidas e montadas para formar o espelho completo.
Todos os cinco espelhos estão quase prontos e, em breve, vão ser transportados para o Chile, onde vão ser instalados.
Enquanto estes espelhos enormes serão usados para capturar a luz do cosmos, cientistas do Instituto Max Planck de Óptica Quântica, em Garching, na Alemanha, criaram um espelho quântico para operar nas menores escalas que se possa imaginar.
Em 2020, uma equipe de pesquisa foi capaz de fazer uma única camada de 200 átomos alinhados se comportarem coletivamente para refletir a luz, criando efetivamente um espelho tão pequeno que não pode ser visto a olho nu.
Em 2023, eles conseguiram colocar um único átomo controlado microscopicamente no centro da matriz para criar um «interruptor quântico», que pode ser usado para controlar se os átomos são transparentes ou refletores.
«O que os teóricos previram, e nós observamos experimentalmente, é que nestas estruturas ordenadas, uma vez que você absorve um fóton, e ele é reemitido, na verdade se emite [em uma direção previsível], e é isso que o torna um espelho», diz Pascal Weckesser, pesquisador de pós-doutorado do instituto.
Esta capacidade de controlar a direção da luz refletida pelo átomo pode ter aplicações futuras em diversas tecnologias quânticas — como, por exemplo, redes quânticas à prova de hackers para armazenar e transmitir informações.
Mais ao noroeste, em Oberkochen, perto de Stuttgart, na Alemanha, a Zeiss está fabricando espelhos com outra propriedade excepcional.
A empresa de óptica passou anos desenvolvendo um espelho ultraplano que se tornou um componente essencial nas máquinas que imprimem chips de computador, chamadas máquinas de litografia por ultravioleta extremo (EUV, na sigla em inglês).
A empresa holandesa ASML é líder mundial na fabricação de EUV, e os espelhos da Zeiss são um componente vital destes sistemas.
Os espelhos da Zeiss de EUV são capazes de refletir luz em comprimentos de onda muito pequenos, o que permite uma nitidez de imagem em uma escala diminuta, de modo que cada vez mais transistores podem ser impressos na mesma área do wafer (placa) de silício.
Para explicar o quão planos os espelhos são, Frank Rohmund, presidente do departamento de fabricação de semicondutores da Zeiss, recorre a uma analogia topográfica.
«Se você pegasse um espelho doméstico, e o ampliasse para o tamanho da Alemanha, o ponto de elevação mais alto seria 5m. Em um espelho espacial [como no Telescópio Espacial James Webb], seria 2cm. Em um espelho EUV, seria 0,1 mm», compara.
Esta superfície de espelho ultrassuave, combinada com sistemas que controlam o posicionamento do espelho, também fabricados pela Zeiss, proporcionam um nível de precisão equivalente a refletir a luz de um espelho EUV na superfície da Terra — e identificar uma bola de golfe na Lua.
Embora estes espelhos já possam parecer excepcionais, a Zeiss tem planos de aprimorá-los, para ajudar a fabricar chips de computador ainda mais potentes.
«Temos a ideia de desenvolver ainda mais o EUV. Até 2030, a meta é ter um microchip com um trilhão de transistores. Hoje, estamos talvez em cem bilhões.»
Esta meta ficou mais próxima com a mais recente tecnologia da Zeiss, que permite a impressão de cerca de três vezes mais estruturas na mesma área do que a atual geração de máquinas de fabricação de chips.
«A indústria de semicondutores tem esse roteiro forte e dominante, que oferece um ritmo para todos os participantes que contribuem para a solução. Com isso, somos capazes de fornecer avanços na fabricação de microchips, que hoje permitem coisas como inteligência artificial, que eram impensáveis até dez anos atrás», diz Rohmund.
Ainda não se sabe o que a humanidade vai ser capaz de criar em dez anos — mas os espelhos, sem dúvida, vão estar no cerne das tecnologias que vão nos fazer chegar até lá.
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