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Coaf, o disputado órgão que gerou mil relatórios para Lava Jato e saiu das mãos de Moro
Ao votar a versão vinda da Câmara dos Deputados da Medida Provisória (MP) da estrutura ministerial, o Senado Federal tirou o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) da alçada do Ministério da Justiça. Como resultado, o órgão passa a ficar sob o guarda-chuva do Ministério da Economia, de Paulo Guedes.
Desde que foi criado, o Coaf sempre fez parte do extinto Ministério da Fazenda (absorvido pelo atual Ministério da Economia), mas no início de seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro o passou para o da Justiça. No entanto, a comissão mista que avaliou a proposta e a Câmara devolveram o conselho para o Ministério da Economia.
A proposta de transferência do Coaf para o Ministério da Economia não contava com o apoio do ministro da Justiça, Sergio Moro, que reivindicava sua manutenção dentro de sua pasta.
O órgão acabou, assim, virando fonte de desgate para o governo.
No entanto, se fossem feitas alterações na versão que veio da Câmara, o texto teria que voltar à casa, pondo em risco a versão completa da MP, que incluía a redução de 29 para 22 ministérios, medida implantada por Bolsonaro no início do mandato e uma de suas promessas de campanha.PUBLICIDADE
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Por isso, o presidente chegou a enviar uma carta aos senadores para tentar convencê-los a aprovar a proposta.
Moro sai enfraquecido dessa queda de braço, já que considerava o Coaf estratégico no combate à corrupção.
Órgão de inteligência financeira
O órgão, de apenas 37 funcionários, é responsável por produzir relatórios sobre transações financeiras suspeitas e já enviou à operação Lava Jato no Paraná mais mil comunicações desse tipo nos últimos anos, além de alimentar também desdobramentos dessa investigação em outros Estados.
Foi justamente um desses desdobramentos, a Operação Furna da Onça, que levou o órgão a analisar transações de servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), inclusive no gabinete de Flávio Bolsonaro (PSL), filho do presidente.
O Coaf identificou então movimentações suspeitas que somavam R$ 1,2 milhão na conta de um ex-motorista do parlamentar, que incluíam um cheque de R$ 24 mil na conta de Michelle Bolsonaro, esposa do então candidato à Presidência, Jair Bolsonaro.
Chamado para depor pelo MP (Ministério Público) por quatro vezes, Fabrício Queiroz faltou às audiências. Depois, informou que as movimentações em sua conta eram resultado de «rolos» que fazia com a compra e venda de carros usados. Mais tarde, disse à Justiça que o dinheiro que recebia de outros assessores servia para contratar informalmente cabos eleitorais no interior do estado. Queiroz não apresentou documentos para comprovar sua versão.
Segundo as investigações, foram registrados saques e depósitos registrados na conta de Queiroz, em espécie e de forma fracionada. Isso poderia configurar lavagem de dinheiro, entre outros crimes. Além disso, os saques ocorriam próximo às datas do dia de pagamento da Alerj, levantando suspeitas da prática conhecida como «rachadinha», quando assessores transferem parte de seus salários para o político que os nomeou.
Vale lembrar que o relatório do Coaf foi divulgado no fim do ano passado e não atingiu apenas Flávio Bolsonaro. À época, o órgão identificou transferências de recursos atípicas envolvendo 75 servidores e ex-servidores de 22 deputados estaduais filiados a 14 partidos diferentes – entre eles PT, PSL e PSOL. O documento originou as investigações do MP.
Sobre a quantia depositada na conta da esposa, Jair Bolsonaro disse que se tratava do pagamento de um empréstimo pessoal que tinha dado a Fabrício Queiroz.
Entenda em seis pontos o funcionamento do órgão e como ele tem contribuído para investigações anticorrupção, incluindo o escândalo do Mensalão, em 2005, até mais recentemente na Lava Jato.
1. Como funciona o Coaf?
O Coaf foi criado em 1998 seguindo uma tendência mundial, a partir do entendimento de diversos países da necessidade de uma entidade que faça a ligação entre instituições financeiras e lojas de itens de luxo (que podem identificar transações suspeitas) e órgãos de investigação como o Ministério Público e as polícias (que não têm a linguagem do sistema financeiro).
As instituições que registram operações vultosas – como bancos, corretoras, joalherias, concessionárias de automóveis e até empresas que agenciam atletas – foram então obrigadas legalmente a enviar informações ao Coaf sempre que detectarem transações altas em dinheiro vivo ou movimentações com indícios de irregularidades. Caso não façam isso, podem perder a autorização para operar e pagar multa de até R$ 20 milhões.
O repasse de informações deve ser automático em alguns casos, como operações em dinheiro acima de R$ 50 mil, ou quando houver movimentação atípica – um valor que fuja do padrão de transações do cliente ou seja incompatível com seus rendimentos.
A joalheria H.Stern, por exemplo, descumpriu suas obrigações ao não informar compras suspeitas envolvendo o ex-governador do Rio Sergio Cabral, hoje preso pela Lava Jato. Os donos da empresa acabaram fechando acordo de delação premiada e aceitaram pagar parceladamente um total de R$ 18,9 milhões em multas.
A partir dos dados recebidos eletronicamente, os servidores analisam as informações e produzem relatórios caso identifiquem indícios de ilegalidade – esses documentos são enviados para outros órgãos, como Receita Federal, Ministério Público e polícias.
Parte dos relatórios são produzidos por iniciativa do Coaf e a maioria deles (mais de 70%) a partir da demanda direta dos organismos de investigação. Foi o caso do relatório que atingiu a família Bolsonaro, produzido a partir do pedido do Ministério Público Federal para que fossem analisadas operações de servidores da Alerj.
2. Quais os números do Coaf?
O Coaf recebe um volume muito alto de informações por meio do seu sistema eletrônico e tem uma equipe de apenas 37 servidores, considerada insuficiente para processar todos os dados.
Em 2018, até 11 de dezembro, havia mais de 2,9 milhões de comunicações – 2,5 milhões tratavam de operações em espécie, enquanto o restante eram transações eletrônicas suspeitas.
No ano passado, foram produzidos 7.055 relatórios, com base em 320.867 comunicações, envolvendo 363.610 pessoas.
3. Qual a composição do Coaf?
A instância principal do Coaf, o plenário, é formada pelo presidente do órgão, e mais onze conselheiros. Desde sua criação, eles sempre foram nomeados pelo ministro da Fazenda (uma vez que o órgão estava submetido à pasta) entre servidores concursados da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU), Polícia Federal, Ministério da Justiça, Ministério das Relações Exteriores, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, Receita Federal do Brasil, Superintendência de Seguros Privados e Ministério da Fazenda.
Já o presidente do Coaf é nomeado pelo presidente da República, após indicação que partia do ministro da Fazenda. No governo de Bolsonaro, como o órgão passou a ser subordinado ao Ministério da Justiça, o titular da pasta, Sergio Moro, indicou Roberto Leonel de Oliveira Lima para comandá-lo. Leonel era chefe da área de investigação da Receita Federal em Curitiba e havia atuado nas investigações da Lava Jato. Recentemente, ele defendeu que o Coaf permanecesse sob a tutela do Ministério da Justiça.
4. Quais os limites e trunfos do Coaf?
O Coaf não é um órgão de investigação e não pode solicitar a instituições financeiras informações específicas sobre determinada pessoa, o que dependeria de decisão judicial autorizando quebra de sigilo bancário ou fiscal. Sua equipe apenas analisa o banco de dados alimentado pelas comunicações sobre operações suspeitas. Dessa forma, o Coaf pôde produzir um relatório sobre o servidor de Bolsonaro porque elas já estavam no sistema.
Por outro lado, o fato de o Coaf possibilitar acesso a um rico conjunto de transações suspeitas sem necessidade de investigação prévia e autorização judicial, permite aos órgãos de investigação acessar informações valiosas para o combate ao crime de forma ágil.
5. Em que operações o Coaf já colaborou?
Desde sua criação, o Coaf já gerou 39 mil relatórios sobre operações suspeitas. No caso do Mensalão, por exemplo, foram 44 documentos em 2005 e 2006. Um deles mostrava que Marcos Valério, posteriormente condenado como operador do esquema, movimentou em dinheiro mais de R$ 70 milhões entre 2003 e 2005.
Já na Lava Jato, o Coaf identificou em 2015 que empreiteiras pagaram quase R$ 10 milhões por palestras do ex-presidente Lula. Os lucros obtidos pelo petista foram usados por Moro para calcular a multa aplicada na condenação dentro do processo do tríplex do Guarujá. Lula nega que tenha beneficiado empreiteiras ilegalmente e afirma que todos os ganhos com palestras foram declarados à Receita Federal.
Mas as informações do Coaf não servem apenas para detectar atos de corrupção. Qualquer crime que envolva movimentação financeira pode gerar transações suspeitas que caiam no sistema do órgão, até mesmo o pagamento por um homicído encomendado.
A promessa que vinha sendo feita por Moro era aumentar o uso do Coaf para combater organizações criminosas, como as envolvidas no tráfico de drogas.
Em 2006, depois que o Primeiro Comando da Capital (PCC) promoveu uma série de ataques em São Paulo, o Coaf produziu um relatório a pedido das autoridades paulistas, apontando movimentação de ao menos R$ 36,6 milhões entre novembro de 2005 e setembro de 2006 em contas bancárias de centenas de pessoas que seriam ligadas à facção criminosa.
6. O que significou a ida do Coaf para a pasta de Sergio Moro?
Na época da transferência do Coaf para o Ministério da Justiça, a decisão dividiu especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
De um lado, havia o argumento de que o órgão deveria continuar na Fazenda (atual Economia), pois o Coaf brasileiro dialoga com órgãos semelhantes de outros países e isso se dá por meio do Ministério da Fazenda, por tratar de operações financeiras.
De outro, os que criticaram a transferência ressaltaram que na Fazenda o órgão ficaria mais próximo da Receita Federal.
O ministro Sergio Moro defendia que o Coaf ficasse sob sua pasta não só para agilizar as investigações de corrupção como também alegava que na pasta da Economia o órgão tenderia a ficar negligenciado pois o ministério chefiado por Paulo Guedes tem outras prioridades.
Após a decisão da Câmara de manter o Coaf vinculado ao ministério da Economia, Moro mostrou resignação e se limitou a lamentar, «paciência», disse o ministro da Justiça e Segurança Pública.
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