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A história do BALA NA CARA
QUADRO:
A história do Bala na Cara
Em 2008 a quadrilha originada no Bairro Bom Jesus começou a ganhar fama pela violência com que eliminava seus rivais.
Em 2009, um relatório da Polícia Civil mostrava que o bando, liderado por Luís Fernando da Silva Junior, o Junior, havia migrado rapidamente dos roubos para o tráfico e praticamente eliminara os dois grupos dominantes até então na Bom Jesus. A partir dali, os Bala na Cara criavam um sistema de alianças em guerras pelo tráfico em outros bairros da cidade.
A partir do final de 2010, os Bala na Cara lideram uma série de conflitos pelo tráfico no tríplice limite entre Porto Alegre, Viamão e Alvorada. O local seria ponto estratégico para armazenamento de drogas e armas do bando.
A quadrilha já tem o respeito das facções tradicionais e se torna um braço armado de Os Manos, grupo liderado por Maradona.
Em abril deste ano, Maradona vira alvo de duas ações policiais e do Ministério Público, que revelam o poder da sua facção. Ele concentraria um verdadeiro consórcio do tráfico na região a partir da Pasc. Por isso, foi transferido para o Paraná.
Com Os Manos enfraquecidos, os Bala na Cara entram em guerra pelo poder das cadeias. Entre julho e setembro, uma série de homicídios são relacionados a esse «racha» na quadrilha.
Agora, os Bala na Cara já seriam comandantes de alas nos presídios gaúchos, o que lhes daria a grandeza de facção no mundo do crime. Diferente dos seus antecessores, eles não teriam um líder único e centralizador.
O que é uma facção
Uma facção alia criminosos de bandos unidos dentro da cadeia. Dentro desta organização, os bandidos criam suas próprias relações de poder e convivência. No Estado, há muitos anos as galerias estariam divididas entre Os Manos, Os Brasas e Os Abertos. Agora, os Bala na Cara têm suas galerias.
Quando saem do presídio, os criminosos devem lealdade à organização. Roubos ou o dinheiro do tráfico têm parte revertida ao benefício dos detentos e suas famílias. Em geral, o comando destes grupos parte da cela para a rua. Entre os Bala, muitas vezes a relação é invertida.
A presença
Nas cadeias: a terceira galeria do Pavilhão F, no Presídio Central; a primeira e a terceira galerias na Pej; duas galerias na Pasc; uma galeria no Instituto Penal Mariante; um setor na CSE, da Fase.
Nas ruas: Bom Jesus, Rubem Berta, Mario Quintana, Restinga, Serraria, Cohab Cavalhada (Porto Alegre); Alvorada, Viamão, Guaíba, Canoas.
Com matadores de aluguel, facção dos Bala na Cara vira «firma do tráfico» na Região Metropolitana. Em posição de comando nos principais presídios do Estado, líderes colocam em prática o seu método empresarial de mandar no tráfico
Eduardo Torres
Diante dos policiais, o guri de 14 anos, pequeno e magrinho, falava de assassinatos com naturalidade. Contabiliza na sua lista ao menos três vítimas desde que entrou para a criminalidade, aos oito anos. Mas, para a polícia, foram mais.
Desde o começo do mês, estava com um grupo de bandidos em um apartamento no Bairro Mathias Velho, em Canoas, com a missão exclusiva de matar. Nem conhece direito aquela região. Pudera, veio da Vila Safira, no Bairro Mario Quintana, Zona Norte da Capital, a mando dos Bala na Cara.
– Onde me mandam, eu vou lá e mato – resumiu.
Facção quer crescer
Antes de ser levado para a Fase, o matador foi enfático: estava ali sob ordens do tráfico, e depois voltaria à sua base, esperando outra missão.
Personagens como ele seriam a ponta do projeto de crescimento dos Bala na Cara, alçados, desde 2011, à importância de facção nos presídios gaúchos. A quadrilha está presente em praticamente todas as guerras do tráfico na Região Metropolitana.
«São os agiotas do crime»
A investigação da Delegacia de Homicídios de Canoas é encarada como o fio condutor para entender como agem os Bala na Cara.
– Eles se tornaram agiotas do crime. O envio de matadores para «limpar a área» é parte desse pacote de serviços. Sabemos que a ordem parte da cadeia e vamos atrás dos líderes – garante o delegado Marco Guns.
Socorro a patrões em declínio
Com seus principais articuladores em posições de liderança nas galerias da Pasc, Pej e Presídio Central, os Bala na Cara teriam se tornado o socorro de patrões da droga decadentes. São traficantes endividados, tentando reerguer seus antigos domínios.
– Os Bala na Cara compram as dívidas desse criminoso, mas ele fica condicionado a comprar drogas exclusivo deles e dar parte dos lucros para a facção. Em troca, recebe armas e, quando precisa se livrar de devedores, desafetos ou há guerras pelas bocas, os matadores chegam na vila a mando dos Bala – diz um policial de Canoas.
Prisão em Canoas revela o método dos Bala na Cara
A polícia de Canoas teve a primeira pista do plano de retomada do tráfico no Bairro Mathias Velho, em Canoas, com o suporte dos Bala, em dezembro do ano passado. Naquela época, a Brigada Militar prendeu, por porte ilegal de armas, dois homens de Porto Alegre que circulavam de carro pelo bairro. O detalhe estava no histórico dos dois: um, apontado como gerente do tráfico no Bairro Bom Jesus, o outro, como matador no Bairro Mario Quintana.
Este ano, no começo de maio, a investigação deslanchou. Os matadores dos Bala erraram o alvo. A ordem era executar um pequeno traficante que teria traído o «contratante» dos Bala, comprando drogas de outro fornecedor. Porém, mataram um comparsa dele. Dênis Antônio da Silva Prado, 18 anos, foi morto com um tiro na cabeça no dia 6 de maio.
– Essa «falha» forçou eles a mudarem o método. Antes, sabíamos que o pessoal vinha até a Mathias, cumpria a ordem e voltava. Agora, estavam até procurando casas para alugar. Provavelmente se estabeleceriam aqui, depois de cumprirem a ordem de execução – diz um policial.
Matadores ficaram na cidade
Sábado passado, o grupo, que permaneceu na cidade, tentou matar o traficante. Na segunda, a Operação Contundência apreendeu quatro adolescentes entre 14 e 17 anos, um jovem de 18 anos e um casal de 30 anos em um apartamento na Rua Santo Ângelo. Com eles, foram apreendidos dois revólveres calibre 38, um calibre 32, além de uma pistola .40.
Os três adolescentes – um deles, o guri de 14 anos – e o jovem vinham do Bairro Mario Quintana, na Capital.
«Os invisíveis»
O trunfo das parcerias da facção está na «invisibilidade». As informações sobre homicídios até chegam à polícia, todos sabem quem supostamente mandou cometer os crimes. Sabem também que os Bala na Cara estão no meio. Mas testemunhas são incapazes de reconhecer quem comete os crimes.
– Nossa grande dificuldade é sempre identificar quem atirou, porque são pessoas desconhecidas na vila – aponta Marco Guns.
No crime, desde os oito anos
O guri de 14 anos apreendido em Canoas, é um dos dez filhos de uma família pobre da Vila Safira, no Bairro Mario Quintana, Zona Norte da Capital. Chegou a ajudar o pai no trabalho de flanelinha, mas o viu morrer antes de completar 30 anos, corroído por crack e cachaça. Aos oito anos, como ele mesmo descreve, «colou com uma gurizada do crime». Aos 14, já adquiriu prestígio de matador entre os Bala na Cara. É a ele que os gerentes recorrem no momento de cumprir as ordens do comando.
– Eu gosto é de ver o sangue ainda quentinho, escorrendo dos caras, sabe. Tenho sangue nos olhos – gabava-se o guri no depoimento prestado à Delegacia de Homicídios, de Canoas, na segunda-feira.
Ele saiu do verdadeiro criatório de soldados da facção, com o perfil procurado e protegido pelos líderes.
– Eu nem conheço trabalhador, também não mexo com família. Só mato vagabundo. Eles me dão o que tem que dar por isso, eu mato, e pronto. Não sou mais soldadinho – disse, garantindo que já matou outros antes do crime do dia 6 de maio, no Mathias Velho. Em todas as vezes anteriores, revelou, «alguém abraçou a bronca».
Adolescentes matam para ganhar prestígio
A suspeita da polícia é de que os soldados desse exército do tráfico saem do Bom Jesus, Mario Quintana, Vila Esqueleto, Vila Mapa e Vila dos Sargentos – locais de Porto Alegre onde os Bala já conseguiram construir bases mais sólidas. São os principais comandados para missões nas áreas aliadas. Matam, segundo os investigadores de Canoas, pelo prestígio dentro da organização.
– Imagine o caso desse menino, sem nenhuma perspectiva, que ganhou uma pistola. O pagamento para ele é esse status entre os criminosos – resume o delegado Marco Antônio Guns.
DIÁRIO GAÚCHO
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